Como já dito anteriormente no artigo de ideologia, o Karate hoje em dia tem muito mais versatilidade desde sua compilação original, como podemos perceber ao analisar suas formas mais antigas. (Veja nosso artigo sobre ideologia)
O que temos de dificuldade nos dias de hoje é identificar o que cada movimento tem por proposta, já que os idealizadores não estão mais entre nós, e sabemos que diversos detalhes se perderam ao longo das gerações.
Também sabemos que o estudo das formas nos traz uma liberdade para identificar diversos conceitos e aplicações, agora, qual a diferença entre essas duas ideias?
Vamos pegar uma técnica simples de projeção, Osotogari, onde nosso objetivo é levar nosso adversário ao chão, como? Usando alguns conceitos como arrastar o braço (arm drag), puxa-empurra, onda, giro de quadril, etc.
Segue o video para exemplificar a técnica referenciada.
Consegue perceber que a aplicação de queda foi fundamentada em diversos conceitos?
Vamos a um exemplo prático.
Aplicação A
Chute no testículo (conceito de ponto de pressão, terminação nervosa)
Nosso adversário sai do seu centro de gravidade (conceito de desestrutura)
Aplicamos um movimento de varrida de perna, levando nosso adversário ao chão (De ashi barai)
Aplicamos um chute direcionado a cabeça (conceito de chacoalhar de cabeça, princípio de knockout)
Agora vamos montar um aplicação B, que tenha todos os conceitos da aplicação A, inclusive na ordem proposta.
Aplicação B
Puxão de cabelo com as duas mãos (conceito de ponto de pressão, terminação nervosa)
Nosso adversário sai do seu centro de gravidade (conceito de desestrutura)
Aplicamos uma joelhada no rosto (conceito de chacoalhar de cabeça, princípio de knockout)
Ficou mais claro? Então, uma aplicação é uma técnica, conjunto de conceitos que precisam obedecer a um resultado, que já foi abordado no artigo de estudo de Kata. (Veja nosso artigo sobre estudo de Kata)
Vamos a outro exemplo.
Pegue uma imobilização clássica como o Nelson (imobilização onde nosso adversário está posicionado atrás de nós, com seus dois braços por baixo de nossas axilas, realizando uma pressão na nossa nuca), nosso adversário está nos desestruturando. Poderíamos usar diversas aplicações já validadas para sairmos disso, mas vamos retornar ao básico, para entender de fato como essas aplicações surgiram. (Vale comentar que a forma Kururunfa possui algumas variações para sairmos dessa imobilização)
O que queremos quando estamos sendo imobilizados pela técnica Nelson? Recuperar nossa estrutura.
Como podemos fazer isso? Recrutando um grupo muscular de maior volume, em exemplo nossas costas. (Faça esse teste, junte suas escapulas tirando assim a pressão do pescoço, partindo para a recuperação da sua postura)
O que esperar no final? Estar devidamente reestruturado, e pronto para responder.
Como podemos responder? Usando movimentos explosivos (com bastante tranco), partirmos para tentar agarrar algum dedo, atacar com um golpe de impacto contundente no rosto ou nos testículos, enfim, as possibilidades são diversas. (Nossa prioridade é sermos ofensivos, se estivermos em uma situação defensiva, precisamos modificar o quanto antes nossas manobras) (Veja nosso artigo sobre agressividade)
De fato, muitos tem a percepção que um bom artista marcial é aquele que domina uma gama de aplicações, e acabam esquecendo quais conceitos foram necessários para que elas fossem desenvolvidas.
A dica que dou para meus alunos, não se prenda a aplicação, pelo contrário, reforce seus fundamentos, estude e assimile conceitos, repita até que eles sejam executados instintivamente, e saiba quais conceitos utilizar a partir de outros. Esse detalhe fará com que você se adapte facilmente a variações do seu adversário, fazendo com que seu corpo responda bem mais rápido, e de modo objetivo e eficiente. (Essa “dica” não se restringe apenas ao estudo do Karate)
Para concluir, deixo dois videos como referência, o primeiro demonstrando o estudo de alguns conceitos presentes na forma Gekisai Dai Ichi, e o segundo trabalhando com uma aplicação montada a partir de uma movimentação da forma Seienchin.